A memória de tempos que não
vivi, ao lado de alguém que não sei se existe no mundo real.
Muitos poetas falam da saudade do que não se viveu. Saudade
até de tempos que não existiram. Mas como se pode ter saudade daquilo que não
foi concretizado? Como posso sentir falta de algo que não foi real? Creio que
as nossas vidas transcendem a estas frágeis e curtas noções. Creio que podemos
sentir saudade da vida inteira que poderia ter sido e não foi.
Pode parecer confuso o que digo, pode parecer uma
tentativa frustrada de costurar ideias desconexas, mas meu caro leitor olhe por
cima do muro que o trava e viaje um pouco neste meu raciocínio peculiar...
Nossa ideia de tempo é frágil e limitada as nossas necessidades básicas
diárias, achamos que o tempo é apenas aquilo que nosso relógio marca,
esquecemos que o tempo também é protagonista de nossas vidas, um protagonista
que nós criamos. Se o tempo é um instante o qual ousamos descrever, significa
que ele tem sua abstração. Ele não pode ser limitado àquilo que parece ser. O
tempo está associado a momentos que vivemos.
Se o momento que de fato vivemos é tudo aquilo que
mexe com nossas emoções e com o que há de mais escondido na alma, nossos sonhos
também são momentos que vivemos. Porém, quando sonhamos, estamos numa outra
dimensão que não sabemos descrever ao certo, mas que às vezes chamamos de
limbo. Se viver é a realidade que nos cerca e que somos capazes de sentir, nosso
limbo pode sim ser a nossa realidade. Quantas vezes sonhamos com tamanha força
que ao acordar queremos voltar a dormir? Por vezes os sonhos nos consolam, são
capazes de nos fazer felizes muito mais que estar acordado. Quando se trata de
sonhos tudo é mais abstrato.
Meu confuso leitor, ente tantos conceitos de tempo,
sonho, realidade, saudades de tudo isto, e olhando para as primeiras linhas
deste texto tentando recapitular o que foi dito, você deve estar perguntando
também se posso ter saudades do futuro. Eu afirmo que sim. Se o nosso futuro é
um sonho do passado, daqueles que escondemos bem de todo mundo, se este sonho
por algum motivo deixa de ser sonhado ou se torna impossível de realizar seja
por qual for o motivo, por vezes dá saudade de sonhá-lo. Sinto falta da
sensação de bem estar que ele me causava, aqueles sonhos seriam o meu futuro um
dia, e se os meus sentimentos são a minha realidade, se a minha realidade é
algo tão abstrato quanto minha própria noção de tempo, me perco nas sensações
de passado e futuro e posso sim ter saudades do futuro que um dia quis para
mim!
Passado, presente e futuro se misturam em nossa mente...
Mas ainda assim, como podemos sonhar com o futuro? Os franceses denominam esta
sensação de ‘déjà vu’, que em tradução livre significa ‘já visto’. Quando
vivemos algo e sentimos a certeza de já ter visto aquela cena, quando
conhecemos alguém neste exato momento e temos a sensação de já conhecê-lo,
quando visitamos um lugar completamente novo e sentimos que já tínhamos estado
lá, todas estas sensações que experimentamos nos deixam perdidos em relação a
nossa frágil noção de tempo. O futuro que estava guardado no passado? Nada mais
óbvio, afinal o futuro é o nosso reflexo do passado.
Não seja simplório
ao resumir tudo... Não me diga que não pode se ter saudades, por exemplo, de um
tênis que não se comprou! Posso sim ter saudades da sensação feliz que a IDEIA
de comprar aquele tênis me causou e ele ser meu em devaneio. Posso tê-lo desejado
ao ponto de em outra dimensão ele ter sido meu. A realidade não é apenas aquilo
que é mostrado na nossa frente todos os dias, a nossa realidade individual é
também tudo o que sentimos, sonhamos, desejamos, experimentamos e algumas vezes
realizamos. O conceito de realidade quase sempre sai da boca amargurada dos que
não sonham. Não se limite a achar que a realidade é apenas o palpável, o visto.
Em um mundo de máscaras sociais nunca sabemos o que é realidade ao certo.
Passado, presente e
futuro quase sempre se misturam. Sonho e realidade quase sempre é a mesma
coisa. As horas estão mais soltas que o vento. O que nos falta é liberdade para
entender. E agora o que me resta é saudade do meu futuro que anda perdido em
algum lugar.