sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Retrato de Palavras.

                Abandonei o ninho muito cedo. O desmame precoce e o pé na estrada fizeram-me enxergar a vida de uma forma diferente. Nunca tive conto de fadas como modelo de vida nem como história de ninar. Nunca me pouparam da capacidade humana de ser desumano. Deram-me uma vida em preto e branco e se eu quisesse cores que eu mesma buscasse. Que eu lutasse. Que eu colorisse os meus dias.
                Assim como essa forma crua de ter sido apresentada a vida me machuca também me torna forte. Mais forte que os outros quase sempre. Desenvolvi a sensibilidade e a frieza de encarar momentos ruins. Desenvolvi a sensibilidade e a alegria de agradecer aos momentos bons. Nunca tive o que se chama de vida normal. Por mais que algumas vezes eu tenha curiosidade de conhecer um pouco desta normalidade, sempre fico receosa e volto para a loucura dos meus dias facilmente. Não quero ser a mulher comum que a sociedade espera. Não quero ser refém de conceitos nem alimentar expectativas nas pessoas sem que eu possa corresponder. Se eu empenho minha palavra, cumpro. Cedo ou tarde.
                Ao buscar as cores do meu dia enfrento muitos momentos amargos e sozinhos. Uma amargura que me faz enxergar além. Não consigo vivem no nimbo de ilusões ou de depositar grandes expectativas em nada, um dia de cada vez, assim é melhor. Mas perceba que viver um dia de cada vez traz secura e frustração. Não me permito sonhar muito, talvez porque desde sempre meus sonhos nunca se realizaram da forma egoística que eu sonhara. Não vivi tradições, fui rejeitada muitas vezes, abandonada algumas, nem por isto sou vítima do mundo. A vida é a vida. Se eu quero as cores, busco. Se eu tenho metas, executo. Se eu quero algo, construo. Ainda assim consigo me sentir muito feliz. É a felicidade que o suor traz. É a felicidade de agradecer a qualquer coisa que aconteça. É a felicidade de por tantas vezes ser surpreendida com o lado bom de pessoas boas.
                Conheci muito do mundo e cultivo a ambição de conhecer mais. Não falo de paisagens bonitas, mas de culturas diferentes, pessoas diferentes (boas e más), situações diferentes. Testar meus limites e conseguir me superar. Já vivi muita coisa pra idade que tenho, passei por situações que não desejo a ninguém, vivi momentos que gostaria de eternizá-los, experimentei, errei, machuquei, fui boa e má. E quero mais. Talvez eu tenha vivido mais que muita gente bem mais velha e me orgulho disto. Não gosto de uma zona de conforto por muito tempo. Não pense caro leitor que quando falo destas experiências eu me refiro a festinhas legais ou amigos vazios, estou falando de vida real. De conviver com gente real de todas as idades e que me fizeram aprender muito. De aprender a resolver meus problemas, não ter ninguém me consolando ou me esperando pra almoçar. De nem ter o que almoçar algumas tantas vezes. De escolher liberdade e independência e sentir ainda hoje a dor e o prazer que elas nos dão. De lutar para ser independente e ver o quanto é difícil (e impossível algumas vezes).
                Mas mesmo entre a dor e o prazer dessas lutas constantes, buscar as cores da vida! Valorizar a luz do dia e aproveitar a escuridão da noite. Sentir a água do riacho nos pés e ter a secura sufocante na alma. Pintar de paixão os amores, pintar de lealdade cada amizade construída, pintar de ódio qualquer ingratidão, pintar de dedicação e empenho todo trabalho, pintar de gratidão os dias vividos, pintar de cinza as memórias e emoldura-las na parede para lembrar que foi passado, mas é presente. Montar a aquarela da vida a cada segundo.
               Viajo com facilidade entre passado e presente. Deixo ao futuro as experiências para tentar não cometer os mesmos erros, não custa nada tentar um pouco de perfeição. E quando leio o tecido formado por estas palavras, vejo que tudo valeu a pena ser vivido. Tento apagar as cores que dou a algumas memórias, mas elas são tão vivas que insistem em viver. E com tantos retalhos de palavras, vou me reinventando a cada parágrafo, a cada esquina, a cada dia. Não sei como será o dia de amanhã, ninguém sabe e pouco me importa saber do amanhã. Afinal eu tenho o hoje para construir. Tenho um trabalho para dedicar o meu esforço, uma profissão para buscar conhecimento, um filho para me fazer ser alguém melhor todos os dias, uma família para dedicar zelo e atenção, amigos para ser leal, tenho obrigações a cumprir e uma alma para alimentar. Com tantas cores assim é impossível sofrer como o amanhã.
                Não gosto de falar de mim, mas é preciso gritar vez ou outra para esvaziar a cabeça e conseguir dormir. Por hoje basta. 3:50H da manhã, boa noite (ou bom dia!).